as páginas

lift,
bringen sie mir einen kaffee
ende der welt

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

JG de Araújo Jorge

Paradoxo

A dor que abate, e punge, e nos tortura,
que julgamos às vezes não ter cura
e o destino nos deu e nos impôs,
é pequenina, é bem menor, e até
já não é dor talvez, dor já não é
dividida por dois.

A alegria que às vezes num segundo
nos dá desejos de abraçar o mundo,
e nos põe tristes, sem querer, depois,
aumenta, cresce, e bem maior se faz,
já não é alegria, é muito mais
dividida por dois.

Estranha essa aritmética da vida,
nem parece ciência, parece arte;
compreendo a dor menor, se dividida,
não entendo é aumentar nossa alegria
se essa mesma alegria
se reparte.


quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Fred Matos


Allegro


as cordas do meu violão
tocam um só
sonolento acorde
só acordam
quando me acode
a lembrança do teu beijo

então elas toam desejos
numa melodia fantástica
que percorre toda a escala
em seqüência erótica
orgástica

ouço o timbre do piano
ouço a flauta de Atena
ouço a lira de Apolo
é perfeita a harmonia

a orquestra toca teu nome
no allegro da sinfonia.


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Li T’ai Po (Rihaku)


Improviso


Nuvens

são

cambraias

Pétalas

tuas

faces

Brisa

que farfalha

nas varandas

altas

Cristaliza

orvalho

diamantes

de água

Se não posso

vê-la

nos píncaros

de jade

Sob a lua

ei-la

no pavilhão

de jaspe


tradução: Haroldo de Campos

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

poema chinês

Poema chinês compilado por Confúcio:

Ode 93

moça como nuvem
na porta este
como nuvem e este
coração resiste

lenço de seda cinza
veste de seda simples
só ela para mim
(tambor e címbalos!)
existe

moças como junco
no portão de ameias
como junco e junto
o coração desdenha

pano de cor garança
veste de seda branca
só ela me deixa
(vermelho garança)
tremor de beleza


Tradução Haroldo de Campos

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Carlos Drummond de Andrade



As sem razões do amor



Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.


Carlos Drummond de Andrade

domingo, 1 de novembro de 2009

Manuel Bandeira


Os sapos


Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...


Manuel Bandeira
em "Estrela da Vida Inteira"